A mente sente, o corpo fala: efeitos da mente sobre
o corpo
Já escrevemos, uma vez, sobre sintomas
psiquiátricos gerados por doenças orgânicas. Nada mais adequado do que falar da
contramão: como nossa mente pode influenciar nossa saúde corporal? Com o tempo,
a medicina psicossomática vai crescendo e deixando cada vez mais evidente que
não é possível separar o ser humano em partes (pelo menos fora do contexto
didático). No mundo atual (afogado em preocupações, dilemas e discordâncias
crescentes), as pesquisas vêm focando muito em como o estresse, os estados de
humor e os transtornos mentais podem comprometer a saúde corporal. Dê uma
olhada em algumas dessas influências (algumas delas vão realmente te
surpreender).
Assim como o corpo influencia a
mente, também a saúde psíquica tem grande impacto na saúde física.
Mente x Sistema Imune
Todo mundo já percebeu, pelo menos uma vez, que
quando chegam os períodos de grande tensão do dia a dia (provas, um novo
projeto da empresa etc) a “imunidade baixa” e nos tornamos mais suscetíveis a
infecções comuns, como gripes e resfriados. A diferença é que a influência do
estresse sobre o sistema imune não pára por aí.
Durante períodos de estresse, dois eixos hormonais
principais são ativados: o Sistema Nervoso Simpático (produtor de adrenalina) e
o eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (produtor de cortisol). O resultado da
ativação crônica desses sistemas é a produção de várias citocinas (moléculas de
sinalização) desencadeadoras de processos inflamatórios, em especial IL-1, IL-6
e TNF-α. Algumas pesquisas mostraram que estressores sociais (como a rejeição e
o isolamento social) desencadeavam exatamente esse tipo de resposta hormonal.
Em outras palavras, o estresse causa uma “inflamação em todo o corpo” que,
apesar de tudo, é desorganizada e ineficaz em combater agentes causadores de
doença.
Resultado: agressão a todos os órgãos do corpo
(inclusive aumentando o risco de doenças cardiovasculares e outros exemplos)
sem uma imunidade efetiva, tornando-nos suscetíveis a infecções. Essa
inflamação, inclusive, segundo as pesquisas, favorece o desenvolvimento da
depressão, fechando um ciclo vicioso.
Mente x Sistema Cardiovascular
Já vimos que a depressão, questões sociais e outras
fontes de estresse aumentam o risco de infarto, tanto pela inflamação inerente
ao processo, quanto pelo próprio descuido que a pessoa passa a apresentar com a
própria saúde. A influência é tal que alguns estudos mostram que, em pacientes
vítimas de Síndrome Coronariana Aguda (infarto ou angina), o simples tratamento
psicológico (com terapia cognitivo-comportamental ou antidepressivos), sem
outras intervenções, já reduz as chances de complicações e de novos eventos
cardiovasculares, apesar de não reduzir a mortalidade.
Além disso, existe uma síndrome muito particular
chamada Síndrome do Coração Partido ou Cardiopatia de Takotsubo. Trata-se de
uma doença desencadeada por fortes estresses agudos (em especial em pacientes
com Transtorno de Estresse Pós-Traumático) em que a liberação exagerada de
adrenalina e outras catecolaminas submete o miocárdio a estresse intenso. Isso
leva à contração vigorosa da base do coração, com necrose (ou seja, morte
tecidual) no ápice cardíaco, deixando-o com a forma de um takotsubo (vaso
japonês usado na pesca de polvos). O quadro pode causar uma insuficiência
cardíaca grave, podendo ser fatal.
Mente x Sistema Nervoso
É claro que quando falamos em estresse, o próprio
estado mental de uma pessoa vai comprometer o funcionamento do seu sistema
nervoso. Contudo, isso vai além do que podemos imaginar.
Primeiramente, a adrenalina e o cortisol liberados
no estresse crônico estimula a apoptose (morte) neuronal. Além disso, alguns
estudos observaram que pacientes deprimidos apresentam dosagem aumentada de
proteínas no líquido céfalo-raquidiano (por um mecanismo ainda desconhecido).
Em um futuro próximo, isso pode ajudar profissionais na classificação ou mesmo
no diagnóstico de algumas formas de depressão.
Outro exemplo interessante é a epigenética
(influência do meio sobre a expressão dos genes). Observou-se que os estressores
ambientais, em especial os sociais, levam à metilação do sítio promotor do gene
SLC6A4, que produz um transportador de serotonina. Em outras palavras, o
estresse ambiental interfere no metabolismo da serotonina e, com isso, favorece
o desenvolvimento da depressão (gerando, aqui, um novo ciclo vicioso).
Mente x Pele
Já se sabe que a ansiedade e o estresse psicológico
podem atuar como desencadeadores de doenças cutâneas (como a dermatite
seborreica) ou como agravantes de condições preexistentes (como vitiligo, por
exemplo). Além disso, o próprio estresse, em especial através do cortisol,
compromete os mecanismos de restauração da função de barreira cutânea após
lesões mecânicas ou químicas. Ou seja, a capacidade da pele de atuar como
barreira diminui e, com isso, há grande perda de água. Isso deixa a pele
ressecada e agrava crises de dermatite atópica, dentre outras consequências.
Mente x Câncer
Esse é um assunto polêmico, mas que, ironicamente,
não tem grandes evidências para solucionar suas questões. Existem várias
teorias afirmando que o estresse favorece o desenvolvimento do câncer por uma
mistura de mecanismos envolvendo desde o estresse oxidativo até a deficiência
imune. Quanto a isso, não é possível confirmar a teoria nem o mecanismo.
O que algumas pesquisas evidenciaram é que o
estresse interfere na angiogênese (produção de novos vasos sanguíneos pelo
tumor), na proliferação celular, na adesão das células cancerosas aos tecidos,
na migração dessas células, na invasão vascular e em sua sobrevivência. Como
resultado, as células tumorais ficam mais propensas a sair de seu sítio
primário e se instalarem em novos locais, dando origem às metástases.
Fontes: Psychosomatic Medicine (1), Psychosomatic Medicine (2), Revista Brasileira de Cardiologia,Neuropsychopharmacology, Psychological Bulletin, Journal of Investigative Dermatology, Future Oncology
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